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Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) e a prática religiosa

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Manifestação de fé ou hábitos obsessivos?

Dizer que a prática religiosa é sempre algo bom, não é uma verdade absoluta. A prática religiosa é boa quando representa a manifestação de fé pessoal vinculada a uma denominação religiosa que através dos seus rituais possui fundamentos teológicos.

Decorrente de uma escolha livre, o fiel pratica os rituais propostos pela sua religião tendo conhecimento do significado daquela prática associado com o entendimento bíblico e sua vivência reflete em melhorias na forma de viver, principalmente na capacidade de amar e ser amado, na capacidade de construir relacionamentos saudáveis.

Enfim, a prática religiosa é boa quando nos faz sentir bem e nos da estímulo para vivermos e nos projetarmos para a construção de uma sociedade pautada no bem comum. Mesmo quando a religião não tem como referência a Bíblia ou que não seja vinculada aos evangelhos a partir da Pessoa de Jesus Cristo, pode ter rituais bem definidos com fundamentos bem estabelecidos a partir da sua doutrina bem fundamentada. Posso dizer que o Budismo, que muitos não enquadram dentro de uma religião, mas sim como uma filosofia de vida, tem rituais estruturados e muito bem embasados nos pensamentos doutrinais que o embasam e que não estão ligados à Bíblia.

TOC na prática do catolicismo, como? 

A minha reflexão, para este texto, vai focar  diretamente à religião Católica a qual pratico por ter escolhido, estudo e me dedico, assim relacionarei a questão dos sintomas de problemas emocionais, especificamente o TOC, que são revelados na prática do catolicismo que na maioria das vezes o praticante não percebe que representam sintomas de desajustes emocionais internos. O fiel não percebe que a prática religiosa é patológica por que quem está com a patologia de fato é o último a perceber.

Falar desta temática é de fato algo muito delicado e espinhoso, mas quero citar alguns comportamentos que podem representar um quadro emocional patológico mais evoluído. Vou partir especificamente do transtorno obsessivo compulsivo (TOC), pois este é um transtorno no qual a mente patológica se utiliza muito dos rituais religiosos para desenvolver os hábitos obsessivos. Aqui trago alguns comportamentos que podem ser sinais de TOC, mas que na prática religiosa acaba não sendo observados ou identificados como tal, nem pelo portador nem pela família, pois há certo receio nas famílias católicas em associar a prática religiosa com problemas, é como se ao fazer isso estão atacando a religião. Segue algumas dicas de observação que abstrai ao longo dos 30 anos que atendo em Psicologia Clínica e em assessoria à movimentos da Igreja Católica nas suas mais diferentes formas e carismas:

            1. Apego intensivo à objetos religiosos que precisam estar no corpo ou no ambiente onde a pessoa mora.

A perda de algum dos adereços religiosos ou quando mudam as peças de lugar ou se quebram na residência, tende a gerar muita ansiedade e angústia na pessoa. Me encontrava certa vez na residência de uma família em um momento de oração pelo Movimento Carismático. Na sala de estar da família havia uma grande vela estilo círio que o casal mantinha acesa o tempo todo. Como o casal recebera muitas pessoas na casa, deixaram a janela da sala aberta e de costume a mantinham fechada. A oração aconteceu nos fundos da casa, na área de lazer. Ao terminar o grupo de oração, voltando na sala a vela tinha derretido por inteiro, deixando escorregar a parafina por toda a mesa e escorregando até o chão. Parecia que havia tido ali um vendaval. Quando a dona da casa viu aquela cena, ficou desesperada e começou a gritar e chorar dizendo que houve alguma manifestação diabólica naquele momento, e insistiu que o grupo voltasse em oração e começou a rezar o terço compulsivamente. Na saída o esposo falara bem baixinho ao meu ouvido que a esposa dele de fato fazia alguns dias que estava tendo um comportamento muito intenso de querer rezar sem parar. Orientei que procurasse uma ajuda profissional para melhor avaliar a esposa.

            2. A necessidade de rezas programadas em horários definidos no dia.

Oração em horários determinados é comum na prática do Catolicismo, contudo, a compulsividade é identificada quando por algum motivo a oração não acontece e a pessoa fica super incomodada, a ponto de não conseguir fazer mais nada . Também se o padrão da reza não for o que já está definido, por exemplo, a pessoa carrega na bolsa um impresso de uma oração para determinado santo, se na hora que ela for rezar aquela oração, não encontrar o papel fica desesperada. Aqui são as múltiplas orações que vemos na prática religiosa na qual a pessoa se apega àquela formatação. Lembro-me de um paciente que chegou até meu consultório por que a mãe dele percebeu que estava utilizando o cartão de oração para recitar em todos os momentos que se sentisse ameaçado por algo. Mas chegou um momento que o filho tinha que recitar a prece três vezes consecutivas em voz alta, independente de onde estivesse.

          3. Oração “obrigatória” do rosário

Muita gente faz a oração do rosário diariamente (O rosário é composto de cinco mistérios, ao todo 200 Aves Maria, com mais algumas reflexões conforme os mistérios), o que é normal. Mas se a pessoa precisa, como obrigação, terminar o dia tendo feito o rosário como um todo, e por isso abre mão de fazer outras coisas, coisas até essenciais,  para ter que cumprir a tarefa religiosa, pode-se dizer que já está apresentando um sintoma emocional. Já orientei jovens que estavam rezando o rosário três vezes ao dia sendo o primeiro às 3 horas na madrugada. O problema é que o jovem entrou nesta compulsão por que estava no pré-vestibular para Medicina e acreditava que se assim não fizesse não iria passar no vestibular. Mas sua prática obsessiva estava prejudicando seu tempo de estudo e resultando na diminuição da quantidade de matérias estudadas. Além de estar com um cansaço acumulado por ter que acordar às 3 horas da madrugada.

 

          4. “Sem missa, sem proteção Eucarística.” Será?

Certa vez um pregador que tinha a prática de participar da missa todos os dias, acabou cancelando sua pregação, por que naquele dia não conseguiu participar da missa. A pregação era em uma comunidade rural à noite, Só que na comunidade católica deste bairro não havia missa diária, aliás, as missas eram mensais, com cultos onde os ministros da Eucaristia faziam a celebração e distribuíam a Hóstia consagrada. O pregador ficou desesperado por não ter a missa, daí foi proposto que recebesse a Hóstia consagrada por um Ministro da comunidade, mas ele não concebeu a ideia e preferiu cancelar a pregação pois dizia que estava sem a proteção Eucarística.

 

 

“porque a minha carga é suave e o meu fardo é leve.” ( Mt 11,30)

Se formos enumerar aqui diferentes práticas religiosas que conotam mais um sofrimento emocional do que uma prática livre e consciente da religião, daria um livro bem grande de cenas e mais cenas.

O importante é entendermos por que o transtorno compulsivo obsessivo tende a se utilizar da religião para desenvolver hábitos compulsivos. É por que na religião se desenvolve com bastante clareza a noção do bem e do mal, onde pela prática religiosa devemos seguir o caminho do bem e afastarmos do mal. Daí a noção do pecado. Com o sentimento de se estar no pecado vem a culpa e consequentemente a penitência. É ai que a obsessão se fixa, como uma forma de chicote para pagar os erros. O chicote da culpa, que no passado muitos monastérios exerciam a prática do autoflagelo pelo açoite nas costas e pernas, é vivenciado nas repetições de exercícios religiosos que tendem a se intensificar e ao mesmo tempo tentem a se estender em métricas, tornando a prática uma dor sentida e dando a sensação de que se está pagando a penitência pelo pecado. Porém isso vira uma armadilha do TOC, que inconsciente leva o sujeito a se apegar no erro obstinadamente, justificando o chicote pelo hábito ou faz com que o sujeito precise se antecipar ao erro (pecado) com hábitos religiosos compulsivos. Assim, aquela prática religiosa foge de uma religião que liberta, onde o próprio Jesus dizia: “porque a minha carga é suave e o meu fardo é leve.” ( Mt 11,30). É a religião do castigo, do olho por olho e do dente por dente.

A prática religiosa como escolha livre e independente

O importante é observarmos com frequência se a nossa prática religiosa é uma obrigação ou uma escolha livre e consciente. Se os ambientes religiosos que frequento me faz sentir-me feliz ou entristecido. Se estou apegado a normas e métricas ou se as regras religiosas são nortes de condutas, mas prevalecendo sempre a pessoa e não a regra.

Também é importante observarmos aos que são próximos de nós, e que estão com hábitos obsessivos na prática religiosa. É preciso se aproximar da pessoa e procurar entender o que se está passando com o seu emocional. Se a pessoa não tem abertura para ver sua prática, é importante acionar alguém da família para que possam intervir. Pois em nome da prática religiosa, o quadro psiquiátrico da pessoa pode intensificar tornar-se crônico e depois o tratamento fica mais complexo com perspectiva de cura sempre em longo prazo. Sabemos que o TOC tem cura, mesmo com algumas correntes da psiquiatria insistindo que não.

Quer saber mais sobre o tema, confere o artigo “Toc tem cura“. 

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